O revolucionário maestro do tênis brasileiro
“Pô, mas e a chance de ganhar?”
Para mim, o mais importante era o espetáculo. Sempre foi. Claro que eu preferia vencer, mas acho que a minha geração tinha uma noção muito grande de responsabilidade perante o tênis. A gente entrava para dar show, igual uma peça de teatro.
Eu dava meu máximo pela vitória, mas quando acabava o jogo era a hora de dar umas risadas, curtir e até tomar umas cervejas, A gente não tinha muita noção de história. A gente não tinha ideia de que falariam daqueles torneios muitos anos depois.
O Aberto da Austrália, por exemplo, eu nunca joguei. Era no meu melhor piso, na grama. Eu poderia ter sido campeão. Mas era em dezembro, no final da temporada e custaria uma grana que me faria falta. Eu pensava: já joguei tênis o ano inteiro, vou fazer o que lá durante o Natal e o Ano Novo?
Quando eu fazia viagens longas, jogava torneios por vários meses. Naquela época, se sustentar no circuito já era caro e a premiação era pouquíssima. Em 1964, fui campeão de Gstaad aos 19 anos. O prêmio foi… um relógio! Tenho dois relógios de lá porque fui vice em 1965 e recebi mais um. Nem dá para diferenciar o prêmio do campeão do de vice.
Para jogar um Grand Slam, era só por carta de intenção. Não, eles não bancavam todas as despesas. Em 1963, eu era um juvenil de destaque, ganhei o Orange Bowl. Me convidaram para jogar o US Open. Fiz quartas de final e só recebi a passagem Amsterdã-Nova York-Amsterdã, além do almoço em Forest Hills, antiga sede do torneio.
Mesmo nos grandes torneios a gente tinha de se virar. Para Wimbledon, a CBT nos dava 50 libras que precisavam durar as três semanas da gira da grama. Eu dividia cada muquifo com o Edison Mandarino, meu parceiro de Copa Davis… Teve ano em que pagamos uma libra por dia no hotel com café da manhã incluso.
Patrocínio de raquete eu até tinha, mas só ganhava duas por ano. As outras eu bancava a preço de custo, que era 10 dólares. Todo mundo dava um jeito de se segurar no circuito, fosse encordoando raquete, vendendo corda ou as roupas que a gente ganhava para jogar os Slams, Lacoste em Roland Garros e Fred Perry em Wimbledon.
Sou super agradecido aos meus pais por terem sustentado meu começo de carreira. Era pressão demais da parentada, dos vizinhos.
Tenista era considerado vagabundo, diziam que não era uma profissão. Eles tiveram de ouvir muito “o que o guri vai ser, o que ele vai fazer?” até entrar uma grana um pouquinho maior.
Claro, nem tudo era dificuldade. Tinha coquetel, jantar, estávamos sempre em grupo no circuito. Hoje em dia é bem diferente, então valorizo muito ter vivido em uma época que os tenistas curtiam mais, não só com o próprio treinador.
Gosto de dizer que sempre fui anti-establishment, contra o sistema. Eu era um dos pouquíssimos atletas cabeludos nos anos 1960, junto ao meu grande amigo Torben Ulrich, que era tenista e músico. O jeito dele passou de pai para filho, o Lars é baterista do Metallica.
Meu jeito diferente me trouxe problemas. Pouca gente sabe, mas eu fui alvo na ditadura. Em 1964, depois de uma exibição em Santa Cruz do Sul, fui detido por uma noite e apanhei. Apanhei no quartel. Quando acabou o jogo, meu amigo Ricardo Bernd, o pai dele e eu estávamos indo para um jantar e não sabíamos o endereço.
O pai dele desceu do carro para pedir informação, mas o cara que ele abordou estava completamente bêbado. Eles discutiram e todo mundo foi detido. Chegando à delegacia, já começaram a me dar porrada.
Lembro até hoje de ouvir: “É esse, é esse! O cabeludo de casaco de couro! ”. Os policiais fizeram uma roda e me jogaram de um lado para o outro.
Eu nem me defendi, então eles não acharam graça e continuaram a me bater. Eu não tinha a menor ideia do que estava rolando, para falar a verdade. Aquela roda de policiais durou um tempo até conseguirmos falar com meu irmão.
Felizmente meu irmão era desembargador e assim que soube que nós três fomos detidos, foi até o quartel para nos soltar. Tivemos a sorte que muitos não tiveram.
Eu nunca fui muito de me manifestar porque passava mais tempo no exterior do que no Brasil, mas eu acompanhava. Ficava sabendo mais lá fora, aqui era tudo meio camuflado, escondido. Se eu tivesse entrado mais a fundo nisso, teria me dado mal, claro.
Foi ao tênis que eu realmente dediquei mais tempo da vida. Eu tinha 4 anos quando peguei a raquete e com 5 já ganhei minha primeira medalha. A Associação Leopoldina Juvenil (ALJ) é meu clube de infância, morava em frente e comecei a jogar tênis lá com meu irmão. Ele foi minha primeira referência, era oito anos mais velho do que eu.
Jogamos lá na ALJ no único confronto no Brasil que fizemos na campanha de semifinal da Copa Davis em 1966, ganhamos dos Estados Unidos. Também vencemos a Dinamarca, a Espanha – o Mandarino e eu estragamos a festa pronta em Barcelona, eles tinham sido vice em 1965! -, a Polônia e a França. Todos na Europa. Só perdemos para a Índia.
Até hoje me lembro do presidente da CBT dizendo: “Meu filho, não tem grana para ir lá!”. Ficamos indignados. Tínhamos acabado de ganhar dos Estados Unidos. Por sorte, a Confederação de Desportos conseguiu bancar a viagem para Calcutá uma semana antes do confronto.
Eu fiquei mais conhecido no Brasil depois daquela Davis, mas já era reconhecido no circuito. O Guillermo Vilas copiava até meu jeito de andar. Isso sem ele saber que eu caminhava daquele jeito porque tinha problema nas costas. Volta e meia, o Willy assistia aos meus treinos para ver o que tava rolando.
Em 1974, antes da final dele em Gstaad contra o Manuel Orantes, eu já tava indo embora porque ia visitar um guru, o Jiddu Krishnamurti. Como choveu, o Vilas insistiu para ir também. Ele ganhou o jogo por 6/1 6/2 e ficou alucinado pelo Jiddu, comprou livro e tudo mais. Até no filme dele – tem na Netflix, assistam! – mencionou o guru, achei legal!
Gstaad era um torneio que eu curtia muito. Depois eu ia para Kitzbühel, o visual da montanha era legal. Eu não escolhia os torneios que eram mais proveitosos para o meu estilo de saque e voleio. O calendário era por simpatia, não por chance de ganhar.
Antes do US Open 1969, tive a chance de ir a Woodstock. Meu primeiro compromisso era com o tênis, então não fui. Naquele torneio, joguei duplas com o Torben Ulrich, que era do meio musical, então a gente poderia ter ido. Perdemos logo na estreia, mas com história para contar.
Torben e eu queríamos muito assistir ao jogo entre o Pancho Gonzales e o Tony Roche, duas lendas da época. Perdemos os dois primeiros sets, então o Torben conversou com nossos adversários. Paramos de jogar a dupla e só voltamos para terminar o terceiro quando o Roche fechou o jogo na Central.
Era um mundo completamente diferente, me lembro de frequentar festas no circuito. Ensinei o Rod Laver a dançar twist. Era a época do twist, um pouquinho dos Beatles. Eu, um garotão gaúcho de 17 anos, dei umas dicas para ele ficar com uma tenista que estava afim.
Quando eu ficava na Europa de abril a setembro, tinha de deixar meu Fusca por lá. Teve um ano que estacionei o carro em Roland Garros por sete meses. Quando voltei em abril, ele estava lá. Liguei a bateria, virei a chave e saí dirigindo.
Tenho muita história e fico feliz quando dão valor àquilo que fiz. Teve confronto de Davis que acompanhei e os mais jovens não estavam nem aí para mim. Quem virou o negócio foi o Fino, ele sempre me considerou “o cara”, um show! Sempre dei valor aos tenistas, sugar o jogador nunca foi comigo.
Quando eu participava da Koch Tavares, com o Luís Felipe Tavares, a gente trouxe para o Brasil praticamente todos os tenistas. Rod Laver, John Newcombe, Guillermo Vilas, Bjorn Borg… Teve uma desavença e caí fora, eu via a promotora como uma chance de os jogadores estarem aqui no país, não pelo dinheiro.
Minha vida sempre foi muito focada em função do tênis mesmo depois que me aposentei. Tive uma fábrica de cordas, uma loja de artigos em Porto Alegre… Também tive a oportunidade de treinar o John McEnroe! Mas… não quis. Na verdade eu não queria ser babá dele. Tênis eu não teria como ensinar, ele sabia mais do qualquer outro jogador.
Outra paixão que encontrei na aposentadoria foi o yoga. Nessa época em que o McEnroe me convidou eu me dedicava demais, também pesou para que eu não quisesse morar em Los Angeles.
Mas nem tudo são flores. Também aconteceram fases complicadas. Sou Flower Power, mas nem tudo são flores. No ano passado, meus dois filhos tiveram câncer. O Donovan já superou o câncer no ombro direito. Queria ter estado um pouco mais com ele, talvez ele tenha até uma mágoa, mas ele estava no Canadá e eu dei prioridade à Kika. Donovan retirou o tumor na cirurgia e está zerado.
A leucemia da Kika requer mais paciência, ela ainda não está 100% recuperada. Passei semanas no hospital com ela, agora está muito melhor. Eu ganhei bastante com essa história porque nossa intimidade aumentou demais. Fico contente pela chance de estar mais próximo a ela.
Como eu gostaria de ser lembrado? Puxa, não sei. Não sei se com o passar do tempo vão saber que existiu um cara que era Flower Power, que era contra o establishment e que revolucionou nos anos 60 a história do tênis, não só brasileiro como até mundial.
Mas… eu não tenho muita pretensão de nada, sabe? Eu acho que, pô, o que eu vejo é que os caras me consideram um cara legal. É, eu acho que isso aí já basta.
A vida é como o tênis. Meu amigo Torben me ensinou que quando a bola de tênis está no ar, tem um lado dela que tá com sol e outro que tá com sombra. Eu via a rotação que a bola fazia. Era uma amiga que estava ali, indo para lá e daqui a pouco volta.
Fui muito feliz de ter participado dessa vida como tenista, aprendi muita coisa através do tênis. Eu me sinto muito privilegiado de ter jogado sempre. Até hoje bato minha bolinha, curto o som, é quase uma sinfonia. Para quem gosta de música e escuta a bola de tênis, é uma coisa hipnótica. Sorte de quem pode sentir esse amor pelo tênis.